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sábado, 5 de abril de 2014

Assim em Interlagos como no céu




Há vida após o automobilismo? Sem dúvida pois o automobilismo se foi e nós continuamos aqui reclamando justamente disso. Ao mesmo tempo lá no céu, pilôtos que já andaram no antigo circuito de Interlagos, hoje devem estar olhando cá para baixo com a mão no queixo com expressão de incredulidade. Não podemos pensar que o automobilismo que cultuamos quase como uma religião no passado sobreviva e se fortaleça no panorama atual do país. Seria demais querer fazer equivaler à situação do nosso automobilismo o significado da famosa frase religiosa 'Assim na Terra como no céu', carregada de esperanças.

O que resta de automobilismo no país se resume a poucas categorias, nenhuma delas formadora. A maior categoria do automobilismo atual é a ante-sala da aposentadoria, muito embora a simbologia dela resista ao tempo após décadas, a Stock Car. Fora isso nada há que se assemelhe ao passado. Por exemplo, não temos mais a prova que eu considero a mais importante da nossa história, a Mil Milhas Brasileiras, que no meu entender tem importancia histórica superior à F1.

E o que fazer com um autódromo num país onde não há automobilismo? No caso de Interlagos que é de propriedade do município pode-se pensar em locar para outros eventos. Vai longe (e muito) o tempo em que passei nas imediações de Interlagos, ou que tenha ido lá diretamente, e tenha visto um treino de carros ou motos num sábado. Era coisa comum. Hoje mudou tanta coisa que não é de se estranhar um evento como um show do Lollapalooza lá nas dependencias da nossa mais famosa pista.

O autódromo é um ônus para a prefeitura e é perfeitamente compreensível, e necessário, que ela tente repor um tanto dos seus gastos abrigando eventos no autodromo de outra natureza que não as competições automobilisticas. Num país onde sepultamos um autódromo como Jacarépaguá, é um milagre termos ainda em pé e em ótimas condições a nossa primeira pista fechada.

Mas ao mesmo tempo que vemos muitos eventos e quase nenhum automobilismo, quando caras da minha idade não podem mais ver uma coisa como Mil Milhas porque simplesmente não existe mais, voce fica tentando entender o que terá gerado uma situação dessas. E é perfeitamente possível afirmar que culpar federações apenas, não é uma explicação convincente. Há bem mais a ser considerado.

Independentemente do que seja me dá uma sensação de fim de feira passar perto do autódromo e ver uma multidão se encaminhando para um show e ver o autodromo vazio em dias de corridas. Fica a esquisita impressão de que as corridas são eventualmente permitidas num lugar destinado precisamente à este fim. E quando vejo público num evento e nenhum no outro no mesmo lugar, passo a entender que o próprio público não tem mais interesse pelo automobilismo. Após tantos anos de decadencia acho bem difícil esse interesse ser resgatado.

Não tenho nada contra o uso do autódromo para eventos que não sejam do tipo a que ele é destinado. Mas acho que passou demais da hora de surgir alguma iniciativa que coloque o automobilismo de volta ao asfalto, o que poderia no futuro por de volta o público nas arquibancadas. Acho que o tempo passou, que esse bonde já foi perdido e a linha interrompida.

Hoje foi dia de realizar um dos meus prazeres favoritos, uma visita ao Zé Minelli na sua fábrica. Como sempre, antes de vir embora paramos numa padaria próxima onde tomamos um café ao mesmo tempo que falamos do assunto 'do dia' - carros de corrida. Na fila do caixa me deparei com o painel da foto abaixo onde estão registrados os nossos ídolos do passado que fizeram as suas vidas aqui mesmo nessa pista. Diante das condições diria que é uma curiosa imagem.

E agora ao conectar na rede vejo que está se alastrando uma briga na categoria na qual fui chamado a fazer um desenho digital do chassi, na época da sua criação. A F Vee, a terceira edição da categoria de monopostos que já foi a mais barata do nosso automobilismo, está vivendo uma dissidencia que parece dar argumentos para interpelações no campo jurídico. Divide-se assim uma coisa que em duas partes torna-se fraca e tende a desaparecer a longo prazo. Uma quarta edição é impensável. Essa de hoje é a derradeira da história e caso não resista à acidez das disputas pessoais passará tambem para o plano das lembranças. E caso tal se suceda vamos colocar no seu lugar o que?

Um comentário:

Ricardo Talarico disse...

Caro Zé,
Antes de tudo, um grande e saudoso abraço para o amigo.
Quanto ao seu texto, entendo que no final dele, ao comentar sobre a F Vee, você praticamente explica a principal razão para a agonia por que passa nosso automobilismo:
Egos gananciosos.