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terça-feira, 9 de março de 2010

Nos Bastidores do Automobilismo Brasileiro (15)

fragmentos do livro de Jan Balder e comentários do Amigos Velozes.

Nos parágrafos que seguem, Jan comenta o momento em que Emerson decidiu ir para a Europa “tentar a sorte”, como muitos disseram aqui no Brasil. Muitos anos depois, o tri-campeão Nelson Piquet, já aposentado, disse em uma entrevista na tv, que o grande mérito de Emerson foi ter posto o “ovo em pé”. E nada mais disse que a verdade. Mas isso não se deu como um ato mágico com um piloto descendo de para-quedas e caindo sentado no cockpit já de capacete e macacão. Foi bem mais extenso que isso, onde entram muitas outras coisas e pessoas, como por exemplo, Ricardo Achcar e Antonio Carlos Avallone que seguiram para a Europa um ano antes que Emerson. Achcar foi para a F-Ford e Avallone para a F-5000.


A porta se abria com Achcar e Avallone mostando o caminho e, de certa maneira, diminuindo as dificuldades básicas.

Emerson Fittipaldi namorava muito as corridas européias, desejo alimentado pelo contato com pessoas que já tinham vivido aquela realidade. Tinha bons amigos na turma da fábrica Glaspac, seus vizinhos no bairro de Socorro, em São Paulo, que forneceram todas as carrocerias em fibra de vidro na época do Fitti de Fórmula Vê. Donald Pacey e Gerry Cunningham também eram fanáticos por automóveis e corridas. Semanalmente, almoçávamos com eles num bar-restaurante no início do paredão da represa Guarapiranga. O assunto era sempre as corridas.

Gerry Cunningham estudara na Inglaterra e, paralelamente fizera testes para os pneus Firestone em meados dos anos 1960. Ele nos contava que havia participado de algumas corridas domésticas como hobby nos finais de semana e conhecera as principais oficinas, mecânicos, pilotos e fabricantes ingleses. Esses contatos incentivavam Emerson em suas futuras intenções.

O Wilsinho havia passado por uma experiencia frustrante na Europa em 1966, quando sofreu com algumas promessas não cumpridas. Agora seria a vez de seu irmão mais novo, e o Gerry poderia mostrar o caminho.

Num desses almoços, os donos da Glaspac comentaram que havia necessidade de importar componentes de fiberglass para a empresa, e Gerry preparava as malas. Emerson apressou-se a ir “no vácuo”. Ele tinha um Karmann Ghia de uso que vendeu rapidamente, criando caixa para a compra de um monoposto de corrida, pensando em F-Ford, que, segundo avaliações, seria o primeiro passo. A categoria já era coqueluche na Inglaterra e nascera como uma escola para formar novos pilotos. Custava no máximo 1000 libras, algo em torno de 2000 dólares na época, um valor estratégico que icentivava o automobilismo inglês e atraía adeptos do exterior.

O papo no restaurante da Guarapiranga foi a gôta d´água para o embarque de Emerson junto com Gerry, meio “na moita”, ou seja, sem qualquer comentário.


Quando o nome Fittipaldi é citado, automáticamente nos lembramos do Emerson, nosso primeiro campeão mundial de F1. Mas eu acho mais coerente citar-se a família Fittipaldi, embora seja Emerson o detentor, de forma muito justa e clara, do mérito de ter sido o primeiro a obter o sucesso máximo.

O primeiro brasileiro do qual se esperou a façanha de ser grande campeão internacional, foi Chico Landi. O velho Chico era inspiração para os pilotos que o seguiram. Na sua época o nosso automobilismo simplesmente engatinhava, enquanto que na Europa já era atividade consolidada. A referencia mundial de automobilismo era a Europa, e ainda hoje continua sendo. Outros brasileiros fizeram as suas tentativas, e um nome, hoje pouquíssimo lembrado, é Christian Heins, piloto da Willys que faleceu num acidente na 24 horas de Le Mans de 1963 pilotando um Renault Alpine. Foi uma trajetória interrompida, que extinguiu uma possibilidade de um brasileiro se destacar numa prova de grande importância no cenário internacional, e ainda por cima defendendo uma marca que tinha produção nacional.

O Barão Fittipaldi, pessoa com quem tive uma única oportunidade de conversar, foi organizador de corridas, tinha muita ligação com o meio do automobilismo, e era jornalista, fora ter sido o genial idealizador da Mil Milhas Brasileiras juntamente com Eloy Gogliano. Seu filho Wilson Jr., o mais velho, foi um dos iniciadores do kartismo, e era o fabricante dos volantes Fittipaldi, atividade que manteve a família nas pistas por muito tempo. Também construiu monopostos F Vê, criou o kit Fitti 1600, pilotou pela Willys, criou a escolinha de pilotagem Bardahl, o Fitti Porsche, enfim uma lista relativamente longa de participações. O irmão Emerson cresceu vendo isso tudo de perto, apaixonou-se pela idéia da pilotagem desde cedo e sempre esteve em contato direto com os nomes da época. Uma situação que poderia ser designada como uma cultura familiar.

Quando resolveu se mudar para a Europa, auxiliado nessa época pelos donos da Glaspac, Emerson já enxergava o nosso automobilismo com as devidas limitações para quem quizesse fazer carreira. Na Inglaterra, sem saber falar inglês, com muito pouco dinheiro no bolso e com confiança nas suas capacidades, chegou antes que os seus concorrentes diretos aqui do Brasil. Lá não ficou resumido à atividade de piloto e foi trabalhar na oficina de Denis Rowland e fez por sua conta a manutenção do seu F-Ford. Tudo que tinha visto aqui no Brasil foi somado com mais outras experiencias na Inglaterra. Aqui no Brasil o sobrenome Fittipaldi já era muito conhecido, e a razão disso era o grande envolvimento da família com o esporte. Na Inglaterra ninguem sabia quem eram e coube ao Emerson marcar presença, e para isso contou também com amigos. O automobilismo brasileiro dessa época representava a base, e a Europa a profissionalização. A família Fittipaldi, já com muita evidência aqui, seguiu toda para a Europa, pois o pai também foi para lá fazer coberturas jornalísticas de corridas onde o seu filho estava entre os pilotos.

A partir daí o nome Fittipaldi ganharia mais expressão e acabaria dando ao termo automobilismo, uma interpretação diferente, mais importante.

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